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Quando comer do lixo é militância e não necessidade

2 Maio 2021 Jornal de Notícias



O lixo como uma montra de produtos alimentares deixados "sem rei nem roque" não é assunto recente, mas foi em agosto de 2020 que o tema inundou as redes sociais. O "mergulho no lixo" (em inglês, "dumpster diving") é, para alguns, sinónimo de vergonha, mas, para outros, de orgulho. Há quem vá além dos preconceitos e abandone a ideia de que quem o faz é por uma questão de necessidade.


Em Portugal, aquela que parecia ser uma utopia era, afinal, uma dura realidade. Dois amigos encontraram, no verão passado, contentores cheios de comida embalada. Com tudo documentado, partilharam nas redes sociais e, como se por magia, o desperdício alimentar voltou a ter palco na esfera mediática. O DJ português Van Breda foi o portador das más notícias: de telemóvel na mão, filmou uma mesa repleta de comida que, minutos antes, era um amontoado de lixo. "É literalmente assustador", disse.



Anna Masiello, uma jovem italiana a viver em Portugal, também usa o Instagram para consciencializar aqueles que se fazem alheios ao desperdício alimentar e, claro, saciar os mais curiosos. Tudo começou quando, desafiada por uma amiga, foi até às imediações dos hipermercados na tentativa de perceber se encontrava excedentes alimentares. O resultado foi, no mínimo, surpreendente: "Voltei para casa com sacos grandes cheios de comida biológica e em ótimo estado". Nos sacos não trouxe apenas comida, mas também tristeza, especialmente porque no regresso a casa se cruzou com vários sem abrigo. Um mundo injusto, e onde "o principal problema está no sistema".


Ainda assim, e apesar de o desperdício ter sido bastante debatido no verão passado, a jovem acredita que a comida deitada no lixo não diminuiu. Foi mais longe e explicou que por vezes a comida é apenas "destruída ou escondida" numa tentativa de fugir aos holofotes dos mais críticos.


Sobre o Instagram, onde partilha vários vídeos daquilo que vai encontrando nos contentores, disse que o comentário que mais recebe é sobretudo de espanto: "Com tanta gente a passar fome...". Aquilo que para alguns parece já não ter remédio, para Anna existe sempre solução. "Dá para viver do dumpster diving", afirmou. Nos contentores já encontrou de tudo, desde cerveja a chocolate, mas explicou que aquilo que mais a impressiona é quando encontra produtos de origem animal: "Não só foram mortos como foram rejeitados".


Segundo as plataformas Water Foot Print (WFT):

  • 1kg Carne de Porco: 5 988 litros de água

  • 1kg Carne bovina: 15 415 litros de água

  • 1kg Carne de frango: 4 325 litros de água

  • 1kg Queijo: 3 178 litros de água

  • 1 ovo: 196 litros de água



Para Catarina Barreiros, uma entusiasta da sustentabilidade, e que reúne 75 mil seguidores no Instagram, a experiência foi diferente. "Eu já tentei fazer [dumpster diving] e, felizmente, descobri que na minha zona, nos 15 supermercados a que fui numa noite, todos eles trabalham com a ReFood ou com algum tipo de instituição, isto porque eu assisti às equipas a fazer a recolha", explicou. Para a especialista em "zero waste", o mergulho no lixo é um movimento "ótimo", mas deixou um alerta: "Desde que não seja por necessidade, porque aí significa que estamos a falhar enquanto sociedade".




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