Quando os alimentos chegam ao fim do prazo de validade, coloca-se uma questão: devem ir para o lixo ou ainda estarão bons para consumir? A resposta é complexa e depende do tipo de prazo em causa. Especialistas em segurança alimentar explicam como se deve ler os diferentes tipos de prazos inscritos nas embalagens.
O desperdício alimentar é uma preocupação crescente da sociedade motivada por razões económicas, ambientais e éticas. Por isso, tem-se tornado mais frequente nos supermercados a criação de zonas e de etiquetas específicas com preços mais acessíveis para produtos que estão perto do fim do prazo de validade.
Para enquadrar a questão, cerca de um terço da comida produzida em todo o mundo é desperdiçada. Em Portugal, os dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) referentes a 2020 revelam que foram desperdiçados 183,6 quilos de alimentos por habitante nesse ano.
No mesmo sentido das ações das empresas, há quem, a título individual, admita comer produtos já depois do prazo de validade para evitar o desperdício alimentar. Mas será esta uma prática segura? Os alimentos fora do prazo estarão aptos para consumo? E durante quanto tempo?
Segundo as diretrizes europeias, existem dois tipos de data de validade: a “data de durabilidade mínima” e a “data-limite de consumo”. Mas o que significa cada uma destas datas? Especialistas em segurança alimentar explicam o que significa cada prazo de validade e como agir perante cada um deles.
O que significa “consumir de preferência antes de”?
A principal diferença entre os dois tipos de datas de validade é a palavra “preferencialmente”. A referência “consumir de preferência antes de” aponta para a “data de durabilidade mínima” e corresponde à data “até à qual se considera que os géneros alimentícios conservam as suas propriedades específicas”, segundo a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
Assim, a data indicada nessa embalagem indica o dia até ao qual os produtores “garantem que o alimento está em condições” perfeitas em termos das suas propriedades, explica ao Viral João Noronha, professor da área de segurança alimentar da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC).
“A partir dessa data, o alimento poderá não estar tão bom do ponto de vista da textura e do sabor, mas não é perigoso para a saúde”, acrescenta.
O “consumir de preferência antes de” é aplicado a produtos que “não sejam perecíveis”, acrescenta Paula Teixeira, professora e investigadora na área de segurança alimentar na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica no Porto.
Apesar de o “ideal” ser consumir os alimentos “o mais frescos possível”, a especialista sublinha que “não faz sentido rejeitar produtos que tenham ultrapassado a data de durabilidade mínima”, já que a sua ingestão “não coloca em risco a saúde do consumidor”.
Mas há um fator importante: as datas de validade referidas nos alimentos só são válidas enquanto o alimento estiver fechado.
“A partir do momento em que o produto sai da embalagem, o alimento deixa de estar seguro e começa a degradar-se”, alerta João Noronha. Geralmente, estes produtos têm indicação sobre quanto tempo podem ser mantidos abertos até se estragarem.
Goreti Botelho, nutricionista e coordenadora do curso técnico superior profissional em Qualidade Alimentar na ESAC, sublinha que, caso os alimentos “exijam condições especiais de conservação e/ou de utilização”, devem “ser fornecidas instruções” no rótulo do produto, incluindo “o prazo de consumo” após abertura.
Importa sublinhar que há alimentos que, segundo o regulamento europeu, não necessitam de ter referência à data de durabilidade mínima, tais como os vinhos e bebidas com título alcoométrico volúmico de 10% ou superior, vinagres, sal de cozinha, açúcar no estado sólido, pastilhas elásticas, entre outros.
Também as frutas e produtos hortícolas que “não tenham sido descascados, cortados ou objeto de outros tratamentos similares” ou os produtos de padaria e pastelaria não têm referência a prazo de validade, refere a ASAE.
O que significa “consumir até”?
Por outro lado, a data que exige mais atenção é a que surge depois da designação“consumir até”. Segundo a definição da ASAE, a data-limite corresponde ao dia “a partir do qual não se pode garantir que os géneros alimentícios perecíveis (em termos microbiológicos) estejam em condições para consumo seguro”.
Este prazo surge nos alimentos frescos, como a carne e o peixe, que podem ser contaminados por microrganismos patogénicos e causar problemas de saúde.
João Noronha esclarece que estes alimentos, por serem frescos, têm um “tempo de vida mais curto” e, por isso, não é possível “garantir a segurança” do alimento após a data indicada. O professor acrescenta que, “quando o alimento tem a indicação ‘consumir até’, é melhor não arriscar” comê-lo depois da data indicada.
Também Paula Teixeira alerta que, quando está em causa um alimento “com data-limite de consumo, não se deve exceder o prazo, porque pode-se colocar em risco a saúde”.
Depois desta data, o alimento poderá estar contaminado com microrganismos ou toxinas prejudiciais à saúde humana, mesmo que não haja qualquer alteração visível no produto.
“Quando temos uma data-limite de consumo não podemos avaliar se o produto está ou não bom, devemos cumprir a data”, afirma a investigadora. Nestes casos, cheirar o produto ou olhar para o mesmo não vai indicar se está ou não próprio para consumo: “Não podemos cheirar ou ver, porque os nossos sentidos não conseguem identificar os microrganismos”.
Para evitar situações de desperdício, a especialista deixa um conselho: “Se tem um produto com data-limite de consumo e vê que não vai conseguir consumir [antes do fim desse prazo], o melhor é congelá-lo ou cozinhá-lo.” Ambas as técnicas de extensão do prazo de validade só são seguras se forem aplicadas antes do dia indicado na embalagem.
Se cozinhar o alimento, as altas temperaturas podem matar uma grande quantidade de microrganismos que já tenham contaminado o alimento, permitindo que este aguente até mais três dias conservado no frigorífico. Por outro lado, a congelação vai prolongar a data de validade durante mais tempo, dado que os microrganismos não se desenvolvem a baixas temperaturas.
Além disso, os alimentos que são comercializados congelados também “contêm na rotulagem informação sobre as condições de conservação e sobre o prazo de validade a respeitar”, lembra Goreti Botelho.
Riscos de consumir alimentos fora do prazo de validade
Consumir alimentos com a indicação “consumir até” depois de a data-limite de validade estar ultrapassada pode acarretar perigos para a saúde.
A ingestão de microrganismos patogénicos (bactérias, parasitas, vírus ou toxinas) pode provocar uma intoxicação alimentar, sendo os sintomas mais comuns diarreia, dores de estômago ou cólicas, náuseas, vómitos e febre.
Nos casos mais simples, a intoxicação alimentar passa ao fim de alguns dias. Contudo, se os sintomas persistirem ou se tornarem mais intensos, será necessária intervenção médica.
Segundo o Centro norte-americano de Controlo de Prevenção de Doença (CDC), as intoxicações alimentares graves podem causar problema de saúde graves – tais como meningite, danos renais ou danos cerebrais e nervosos – ou até provocar a morte. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que, todos os anos, morrem 420 mil pessoas devido à ingestão de alimentos contaminados.
|Fonte: Viral Sapo, 14 de Janeiro 2023
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