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"Desperdício a lamentar." Com impacto "social e ambiental gigante", "é responsabilidade de todos"

A 16 de julho vai poder aprender mais sobre o desperdício alimentar com o documentário "Sustento: Realidade Insaciável". Tendo em conta que mais de metade dos alimentos é desperdiçada antes de chegar aos supermercados, a associação Reboot pretende mostrar aquilo que está por detrás do problema e promete deixar os espetadores pensar sobre o tema.




Sustento: Realidade Insaciável." É este o título do documentário realizado pela Reboot, uma associação que comunica sobre sustentabilidade ambiental, em que a personagem principal é o desperdício alimentar. Este projeto pretende fazer um retrato do problema em Portugal e, para isso, a associação recolheu opiniões de vários especialistas que trabalham ao longo das várias fases da cadeia de valor, desde a produção alimentar ao reencaminhamento de refeições para famílias que necessitam, como acontece com a associação Zero Desperdício.


Teresa Parreira tem 25 anos e faz parte da curadoria do documentário. À TSF, explica como é que surgiu a ideia do projeto: "O desperdício alimentar tem um impacto ambiental gigante, um impacto social gigante, e existe muita falta de rastreabilidade. O último estudo sobre desperdício alimentar em Portugal é de 2012. Em dez anos as coisas mudam muito, os próprios métodos de averiguação mudam muito, faltava um retrato do desperdício alimentar em Portugal e nós decidimos ir por aí."

E assim nasceu "Sustento: Realidade Insaciável", um título que esconde um "jogo de palavras". "A parte do sustento não só remete um bocadinho para o sustentável, mas também para sustento de comida. A realidade insaciável também tem a ver com o facto de estarmos a fazer um retrato, mas que é um retrato que qualquer pessoa vai reconhecer, que tem a ver com excessos. Este insaciável também joga com a parte da comida e com a parte do excesso que nós experienciamos atualmente."

Também ouvida pela TSF, Paula Policarpo, 54 anos, presidente da Zero Desperdício, uma associação que trabalha com redistribuição de sobras alimentares em todo o país, é uma das entrevistadas para o documentário e defende que os alimentos são demasiado importantes para serem desperdiçados. "O desperdício alimentar é desperdício a lamentar. O alimento traz em si um conjunto de recursos naturais e ir para o lixo é um desrespeito por toda a cadeia de valor que está para trás e para a frente."

De acordo com os dados das Nações Unidas, um terço dos alimentos produzidos são desperdiçados ou perdidos em todo o mundo. Esta quantidade "era suficiente para que os outros pudessem alimentar-se", diz Paula. "Não é um problema de não haver recursos para alimentar todos, porque há, é um problema de má distribuição destes recursos e da forma como o mundo hoje funciona."

"Uma questão complexa." Onde começa o desperdício alimentar?

Tanto Teresa como Paula concordam que o desperdício alimentar é "uma questão complexa". "Esta questão vive de paradoxos, de complexidade, tem camadas, tem que ser desmistificada, mas depois tem de ser abordada adequadamente à geografia onde estamos, com respeito pelas tradições alimentares", afirma Paula Policarpo. Mas uma coisa é certa. A "carga não deve estar toda no consumidor", pois grande parte dos alimentos é desperdiçada antes de chegarem aos supermercados.

"Mais de metade dos alimentos perde-se antes de chegar sequer aos supermercados. São perdidos na cadeia de valor antes, na colheita, no transporte, na logística. E depois os restantes são perdidos pelo retalho, que é responsável por alguma perda, nas nossas casas, os consumidores são responsáveis também por perdas de alimentos", explica Paula Policarpo, sublinhando que "todos temos responsabilidade, mas tudo começa nos produtores e nos governos".

As questões culturais também têm implicações no desperdício alimentar, especialmente nos países desenvolvidos, assinala Paula Policarpo. "Esta ideia de que vou comprar a mais, não vá ser preciso."

Os rótulos são outros elementos com implicações para o desperdício alimentar, tal como indica a presidente da Zero Desperdício: "Como sabemos os rótulos do 'consumir antes de' e 'de preferência até' são uma opção do operador, pouquíssimas vezes tem a ver com a questão da segurança alimentar, contrariamente ao que as pessoas pensam. Acho que em termos de regulação comunitária europeia só há um produto ou dois que têm prazos, como é o exemplo dos ovos. Depois temos coisas estranhas como em Espanha, por exemplo, os iogurtes são 'de preferência até' e em Portugal são 'consumir antes de'. Em Portugal, ninguém mexeu na legislação. Já em Espanha, percebeu-se que o iogurte é um alimento riquíssimo e que dá para toda a gente e o 'consumir de preferência até' permite mantê-lo numa cadeia de doação e escoá-lo até chegar a quem precisa."

Os impactos do desperdício: Como mudar os hábitos?

Os impactos do desperdício alimentar sentem-se a vários níveis, nomeadamente, o ambiental, o social e o financeiro. Teresa Parreira exemplifica: "Se olharmos para uma pera temos o impacto da pera ter de ser crescida numa pereira, que teve de estar num terreno. Temos o uso do terreno e a desflorestação, o uso da água para regar a pera, e as emissões que vêm do próprio facto de serem seres vivos. Temos as pessoas que estão por detrás da produção desta pera e do trabalho desde a parte da produção, processamento e distribuição. Tudo isto se reflete em emissões de carbono e derivados. Depois temos a pera que chega ao supermercado e aqui também nós temos questões culturais, que é as prateleiras vazias parecerem muito mal. Estas questões culturais levam a uma compra e produção excessivas de alimentos que não precisamos. Depois, claro, o próprio impacto do alimento na sua fase final se for para aterro. Ao longo de toda a cadeia existem impactos ambientais, sociais e económicos gigantes. Os números apontam para 400 mil milhões de dólares associados a desperdício. Não faz sentido."

De acordo com Paula Policarpo, o desperdício alimentar é responsável por 10% dos gases de efeito de estufa. "No entanto, não podemos viver sem comer. Esta cultura da alimentação, dos restaurantes, de termos tudo à nossa disposição nos supermercados faz-nos afastar do fim para que o alimento é produzido e qual é a sua finalidade, que é essa, ou seja, alimentar, nutrir", admite.

A falta de métricas, especialmente em Portugal, onde o último estudo sobre este tema tem dez anos, é uma preocupação para Teresa e Paula. Sem mais estudos não é possível ter a noção exata do impacto do problema, algo que é fundamental para criar sensibilização.

"As mudanças de hábitos implicam estarmos alinhados e comprometidos com o que está em causa e enquanto não conseguirmos medir e quantificar as perdas na cadeia, não se consegue atuar. Isto é como quando estamos doentes. A intervenção com remédios e medicamentos só é possível depois de fazermos todos os testes e percebermos os nossos problemas. Numa cadeia de valor e numa complexidade tão grande de causas e efeitos, com tantas camadas, tantos paradoxos, só se pode atuar com eficácia conhecendo as causas", refere Paula Policarpo, frisando a importância de se "convocar e envolver todos os stakeholders, os consumidores, enquanto cidadãos, mas depois as organizações, o governo, as universidades. É preciso conhecer o estado da arte e para isso é preciso medir, quantificar, perceber onde é que se deve priorizar intervenções. Se conhecermos o estado da arte, conseguimos intervir onde é prioritário, com ações mais assertivas e que funcionem, convocando todos os que pertencem à cadeira de valor, incluindo, nós, os consumidores".

No mesmo plano, Teresa Parreira considera que se trata de "um ciclo vicioso". "Se nós não temos estas métricas, não temos forma de quantificar o desperdício alimentar. Apercebemo-nos da urgência desta questão, mas não há urgência para estabelecer estas métricas e formas de medir. Não há sensibilização enquanto não conseguimos medir, não conseguimos medir enquanto não houver sensibilização para por em marcha todo o sistema. Todo este sistema é uma indústria, existe muito marketing e nós vivemos na altura dos imediatos. Estar a pedir às pessoas para mudarem hábitos quando lhes continuam a oferecer uma alternativa mais fácil e confortável, mais barata... Tem de ser dado às pessoas o incentivo certo e não podemos estar à espera que a procura mude. A oferta pode mudar a procura. É uma questão muito complexa, que tem muitos lados."

Acesso à informação: o que devem fazer os cidadãos para combater o desperdício?

No dia a dia, os cidadãos podem e devem tentar combater o problema do desperdício alimentar, desde logo, afirma Paula Policarpo, através da separação de resíduos ou da compostagem. "Separar o lixo orgânico e dentro do orgânico, o alimentar. Isso é muito importante, porque permite esgotar a pirâmide do resíduo."

Teresa Parreira deixa também outras sugestões: "Se eu me apercebo que posso pagar um bocadinho mais por ovos biológicos ou ir ao mercado local em que é mais caro, mas eu sei a quem eu estou a comprar a comida e, portanto, sustentabilidade não só ambiental, mas também social, então posso e devo fazê-lo, dentro das minhas capacidades. Tentar apelar a nível político. Cheguem ao pé das vossas juntas [de freguesia] e perguntem o que estão a fazer. Acima de tudo mantermo-nos informados, porque não só é importante estarmos informados sobre as escolhas alimentares que fazemos e o impacto que elas podem ter. É muito difícil estar sempre consciente, mas podemos ir adaptando."

O acesso à informação é, de facto, o elemento principal, tanto que é também uma das metas do documentário "Sustento: Realidade Insaciável". "Há muita informação e muita desinformação. Estas coisas do 'eco', do 'green' nos produtos vegetarianos e vegan, nos 'bio'... verdadeiramente nós não sabemos se são ou não são", diz Paula Policarpo. Teresa Parreira completa esse raciocínio: "Existe um conceito que é o 'greenwashing'. O marketing aproveita-se dos valores que, neste momento, estão a sensibilizar os consumidores e um deles pode ser a preocupação ambiental. Existe muito este 'bio', 'orgânico', e as pessoas não sabem verdadeiramente o que é. Pode ser um alimento vegetariano, mas se calhar tem muito processamento por trás e vai ter um impacto maior."

"Sustento: Realidade Insaciável" estreia a 16 de julho, no Palácio Pimenta, com uma tarde cheia de eventos, feiras e showcookings. A Reboot espera conseguir que o documentário seja, depois, disponibilizado gratuitamente nas plataformas digitais. Enquanto a estreia não acontece, poderá estar atento às redes sociais da associação para mais informações e teasears sobre o projeto.


|Fonte: TSF, 7 de Junho 2022

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