Projecto que vende a preços baixos cabazes de fruta da época e legumes que agricultores não conseguem vender a supermercados diz já ter evitado o desperdício de 3685 toneladas de alimentos. Estivemos num dos espaços da Fruta Feia, no Bonfim (Porto).
Começou em Novembro de 2013 como um pequeno projecto cooperativo interessado em combater o desperdício alimentar e, no último dia 20 de Abril, abriu, no Mercado de São Domingos de Benfica, em Lisboa, o seu 15.º posto de venda de fruta e produtos hortícolas com um aspecto “imperfeito”. Mais de oito anos e alguns prémios europeus depois, a Fruta Feia diz já ter evitado o desperdício de 3685 toneladas de alimentos, ajudando agricultores espalhados pelo país a escoar as peças de fruta e os legumes que, por não terem o aspecto desejado, não conseguem vender aos supermercados.
Criada por Isabel Soares, a iniciativa arrancou quase um ano depois de o Projecto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (ou, simplesmente, PERDA) ter revelado que Portugal desperdiçava um milhão de toneladas de alimentos por ano, número equivalente a 17% daquilo que era produzido a nível nacional (apesar de elevada, a percentagem estava, ainda assim, abaixo da média europeia). Querendo fazer a ponte entre agricultores e consumidores — para remover da equação a figura do distribuidor e, assim, poder praticar preços mais baixos —, a cooperativa começou a vender, a pessoas que dela se tornassem sócios, cabazes com fruta da época e produtos que, por serem demasiado disformes ou “feios”, acabariam, de outra forma, no lixo. “Gente bonita come fruta feia” foi o mote sob o qual o projecto arrancou — e continua a ser o seu lema.
Hoje em dia, a Fruta Feia tem 15 postos de entrega de cabazes, ou “delegações” — 11 na Área Metropolitana de Lisboa e quatro na do Porto —, trabalha com 312 agricultores e tem 7960 consumidores. “Por delegação, evitamos, semanalmente, o desperdício de uma tonelada a uma tonelada e meia de frutas e legumes”, estima Margarida Cruz, responsável pela delegação no Bonfim, onde o PÚBLICO passou uma tarde, a ver uma equipa de voluntários a descarregar uma carrinha cheia de fruta e produtos hortícolas e a montar os cabazes que seriam vendidos entre as 17h e as 21h desse dia.
Essa delegação abriu há quase dois anos, tendo substituído aquela que, a determinada altura, chegou a existir em Braga. “Acabámos por perceber que não fazia muito sentido estarmos lá”, refere Margarida, explicando que, ao passo que Lisboa e o Porto têm “mais pessoas que não têm acesso a fruta da época”, Braga tem “uma componente rural mais forte”. “Como muitas pessoas têm uma avó ou uma tia que por norma têm estes produtos, a nossa acção lá acaba por ser desnecessária. Até tínhamos muitos agricultores no Minho, mas acabámos por perceber que o melhor era estarmos aqui, nos grandes centros urbanos”, assinala.
A cooperativa tem à disposição dos consumidores — os chamados “associados”, que, para aderirem ao projecto, devem preencher uma ficha de inscrição no site da Fruta Feia — duas cestas de frutos e legumes da época: a primeira pesa seis a oito quilos e custa 7,20€, enquanto a pequena pesa três a quatro quilos e fica por 3,60€. A partir do momento em que uma pessoa se torna associada da Fruta Feia, tem acesso, no site, a uma área pessoal em que consegue, por exemplo, mudar o tamanho da sua cesta, recusá-la se não a quiser numa dada semana e consultar atempadamente a lista de produtos que virão na da seguinte.
O projecto, sublinha Margarida, conta com a “preciosa ajuda de voluntários”, sendo que tendem a ser precisos “dez a 12 por delegação”. Entre as 14h30 e as 17h em dias destinados à venda de cabazes, estes ajudam a “colocar as cestas vazias no chão, descarregar a carrinha e fazer a montagem dos cabazes”. No final, cada um leva uma cesta para casa — sendo que a venda das mesmas aos associados fica por conta dos elementos fixos da Fruta Feia. Quem quiser ser voluntário deve mandar um e-mail para o endereço de correio electrónico porto@frutafeia.pt, caso queira ajudar no Porto, ou info@frutafeia.pt, caso queira ajudar em Lisboa.
Com o décimo aniversário da cooperativa mais ou menos à vista, Margarida Cruz afirma que os objectivos do projecto continuam a ser os mesmos de sempre. “Somos uma cooperativa sem fins lucrativos. O dinheiro que fazemos é para pagar um preço justo aos produtores com quem trabalhamos, pagar à equipa — há muito a ideia de que trabalhamos de graça, mas não é verdade; temos um contrato, como toda a gente — e abrir novas delegações”, explica. “O objectivo é ajudar cada vez mais agricultores a escoar os seus produtos ‘feios’ e, assim, combater o desperdício alimentar. Isso só se consegue abrindo-se novas delegações”, reforça.
|Fonte: Público, 3 de Maio 2022
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