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No primeiro restaurante "desperdício zero" da Escandinávia fala-se português

O Nolla tem no chef Carlos Henriques um dos seus sócios fundadores e é um exemplo da sustentabilidade na restauração. Conheça melhor a casa onde tudo é reciclado e há um compostor na sala.


7 Novembro 2019 Observador


De que cor são os sacos do lixo que usa? São daqueles verdes e ecológicos? Os clássicos pretos? Não se preocupe, não tem de responder. Parecem perguntas inusitadas, não? É verdade, são um bocado. Mas e se lhe disserem que a cor dos sacos plásticos que põe no seu caixote do lixo podem ser determinantes para a sustentabilidade do planeta Terra? Por estranha que possa parecer a lógica, ela existe. É bem real, até. Daquelas coisas que só quando nos contam é que nos apercebemos do quão óbvias são, apesar de nunca na vida termos pensado nisso.


“A partir do momento em que o lixo fica à vista de todos, ele vai fazer muito mais impressão e será muito mais falado do que quando está escondido num saco opaco onde não se vê nada.” Esta foi uma das várias pérolas que chef Carlos Henriques deu ao Observador, via telefone a partir de Helsínquia, na Finlândia, cidade onde mora o Nolla, o seu restaurante que é também o primeiro espaço de restauração totalmente livre de desperdício nos países nórdicos. “Se conseguirmos ver o lixo que fazemos fica mais difícil de ignorar que muita coisa que foi fora podia não ter ido”, continua.


Este português de 32 anos vem a Lisboa falar sobre a filosofia (ou modo de vida, se preferirem) deste seu espaço onde não há caixote do lixo, só um compostor, onde as fardas são feitas com lençóis antigos e os pratos com restos de barro da escola de arte da cidade. Na próxima segunda-feira, dia 11 de novembro, (entre as 9h30 e as 12h), na Fundação Calouste Gulbenkian, vai desenvolver ainda mais todo este tema que, jura, qualquer um pode implementar — seja numa casa, numa escola ou numa prisão. Se depois dessa palestra ficar com água na boca pode sentar-se à mesa do restaurante Prado, em Lisboa, um dia mais tarde, para provar aquilo de que ouviu falar. Por agora, fique com esta espécie de couvert que alimenta espírito e cabeça de igual forma.


Começando pelo início, como se costuma dizer: como é que o Carlos foi parar à Finlândia? De forma curta, conheci uma rapariga [risos] e na altura também havia aqui um restaurante chamado Chez Dominique (com duas estrelas Michelin). No ano em que cheguei, há uns oito anos, eles tinham acabado de entrar no 50 Best. Decidi candidatar-me para trabalhar lá e fiquei. Foi aliar o útil ao agradável. Tinha conhecido a Wilma, que hoje é a minha mulher, na Austrália, e pronto…



Da Austrália para a Finlândia ainda é um belo esticão…

[Risos] É verdade! Estava lá a trabalhar, na altura, quando pensei que nunca tinha ido aos países nórdicos e fez sentido. Depois de tirar o curso fui logo para fora, trabalhei muito pouco em Portugal, uns seis meses, só.


A decisão de ir para fora era algo que sempre quis fazer ou foi uma oportunidade casual? Comecei por trabalhar no Aquapura, que hoje é o Six Senses Douro Valley. Foi lá o meu primeiro trabalho na cozinha, aprendi imenso mas tinha outras ambições. Vi que talvez cá não fosse o sítio indicado para as realizar. Acordei comigo mesmo que ia viajar durante uns dois ou três anos, ainda era novo, tinha uns 23 ou 24 anos. Formei-me em Gestão hoteleira, a cozinha veio depois…


Essa experiência no Douro foi na área da gestão ou da cozinha?

Cozinha. Foi aí que sempre me senti mais à vontade, mesmo depois de ter experimentado um bocadinho de tudo, da receção à sala.


Já tinha alguém da família que tivesse trabalhado na área?

Por acaso não, mas sempre cozinhei muito, desde pequeno. A minha mãe sempre foi costureira e o meu pai serralheiro, à parte disso os dois sempre foram agricultores, produtores de azeite, até. Nunca gostei de trabalhar no campo [risos] e sempre houve aquela cultura (que ainda vive em muitas aldeias) de que quem não trabalha no campo fica em casa a preparar a refeição para os outros todos. Essa pessoa era eu, desde muito novo. Devia ter uns dez anos quando comecei a fazer isso. Os meus pais iam trabalhar e, enquanto isso, eu matava um coelho sozinho, arranjava-o e cozinhava para que quando eles regressassem já estivesse tudo pronto para comer. Quando eles voltavam para o trabalho eu limpava a cozinha toda. Foi assim que fui criado e aos poucos reparei que quando fui para a universidade estudar, por exemplo, já conseguia cozinhar de tudo, arranjava um cabrito inteiro, até, e vi que isso não era normal [risos].


Quando fala nesta ida para a universidade refere-se ao curso de Gestão Hoteleira?

Exato. Antes disso ainda estudei informática, software e programação, andei meio perdido. Na altura, quando acabas o 12º e és bom a matemática não fazes ideia do que queres ser. Fiz o primeiro ano desse curso mas depois percebi que não era pessoa para passar a vida à frente de um computador, de maneira nenhuma.

"Lembro-me de na altura comentar muito a falta de respeito que havia da parte das cozinhas para com os produtores. Pode ser por causa das minhas raízes mas quando alguém deita fora um bocado de uma cenoura não fazem ideia do trabalho que esteve envolvido no processo de criar essa cenoura. Isso causava-me imensa frustração porque tinha noção perfeita do trabalho que estava ali envolvido.”


O Carlos é de que zona do país?

De uma terra muito pequenina chamada Contenças de Baixo, concelho de Mangualde. Fica ao pé do Mondego, entre a Guarda e Viseu, basicamente.


Então e no estrangeiro o seu primeiro poiso foi a Austrália?

Antes ainda passei por Inglaterra, depois Banguecoque, Austrália, e antes de vir para a Finlândia ainda passei uns tempos em Pequim, mas muito pouco.


E o Nolla, como aparece?

Ele demorou uns oito anos e meio a surgir, no total. Fiz o meu primeiro ano do Chez Dominique, que depois disso fechou por razões económicas. Depois mudei-me para o Olo (que tem uma estrela), onde estive mais um ano e meio e foi aí que percebi que queria ficar mesmo na Finlândia mas não encontrava nenhum sítio onde quisesse mesmo muito trabalhar. Ora a opção de fazer alguma coisa em nome próprio tornou-se clara. Lembro-me de na altura comentar muito a falta de respeito que havia da parte das cozinhas para com os produtores. Pode ser por causa das minhas raízes mas quando a alguém deita fora um bocado de uma cenoura não fazem ideia do trabalho que esteve envolvido no processo de criar essa cenoura. Isso causava-me imensa frustração por que tinha noção perfeita do trabalho que estava ali envolvido. Foi a partir desta inquietação que percebemos que gostávamos de ter um restaurante que valorizava mais isto tudo.

E daí para o zero waste…

Tudo isto está muito ligado à sustentabilidade. O “zero waste” não foi a primeiro a coisa que veio à ideia mas acabou por se tornar mais relevante.

Quando é que conheceu esta filosofia pela primeira vez?

Foi na Austrália. Na altura não fazia ideia o que era, nunca tinha ouvido falar disso –da mesma forma que ainda hoje existe muita gente que continua sem perceber o que tentamos fazer aqui.


E o que é que vocês fazem aí, então?

Como explicaria o vosso trabalho? [Risos] A primeira coisa que as pessoas acham que nós fazemos é cozinhar com desperdício, mas não: nós cozinhamos sem desperdício, que é outra coisa. Nós trabalhamos diretamente com produtores magníficos e queremos valorizá-lo. Agora o “como” desses produtos que nos chegam é que é muito pensado. Só trabalhamos com fornecedores locais, tudo o que nos é entregue vem em embalagens reutilizáveis…


O Nolla foi o primeiro restaurante de desperdício zero nos países nórdicos. Ser pioneiro em alguma coisa traz sempre grandes contratempos e dificuldades. Sentiram isso?

Rapidamente percebemos que quanto mais pequeno fosse o fornecedor, mais fácil era para perceber o que pretendíamos. No sentido contrário, com as grandes empresas, tudo é muito mais complicado porque como trabalham em grande escala, qualquer mudança é sempre complicada de gerir. Isto fez-nos ver rapidamente que não podíamos trabalhar com revendedores mas sim direto com os produtores, isto para conseguirmos mudar embalagens e outros hábitos, por exemplo.


Mas as pessoas entendem o que vocês querem ou acham que são todos malucos?

A grande maioria entende, sim, e dizem que querem mudar e tudo mais. Agora o que acontece é que os mesmos que dizem isto, no descarregar a seguir voltam a fazer tudo errado novamente [risos]. No Nolla, como somos muito exigentes, recusamos tudo o que não vem de acordo com aquilo que pretendemos. Acredito mesmo que é preciso fazer-se isto mais vezes para as pessoas perceberem e começarem a dar valor, perceberem que estes gajos são sérios, querem levar isto com afinco e não é só brincar. Aí sim, depois de mandarmos produtos para trás duas ou três vezes é que eles se apercebem que se querem vender têm de respeitar as exigências.

E quais são as questões que mais vos fazem?

Se é mais difícil gerir um restaurante como o nosso, por exemplo. Eu acho que não, o que é difícil é ser-se o primeiro a seguir este caminho! [risos] Isso sem dúvida é que é muito complicado. Agora, depois de estar tudo arranjado e orientado acho que é gerível tal e qual qualquer outro restaurante. Talvez até mais fácil!


Porquê mais fácil?

É como trabalhares numa casa que tem menos coisa, acabas por te focar muito mais no que tens, em certos produtores. Focas-te nas coisas que tens porque tens menos, isso faz com que tenhas um restaurante mais arrumadinho, muito mais organizado. Usando isto do zero waste em exemplos da nossa vida é como ir comprar uma t-shirt mas antes pensar se ela é mesmo precisa. Depois, a partir do momento em que a compras, tornas-te responsável por ela, por garantir que ela dura. Só depois é que podes pensar no que vais fazer quando já não precisares dela. Como nós temos a mesma estrutura com coisas tão díspares como comida, copos ou pratos, acabas por ter algo mais minimalista. Mesmo a tua comida acaba por ser um resultado disso, também.


O Nolla começou por ser só uns jantares pop-up, certo?

Nós éramos três cozinheiros quase sem dinheiro nenhum. O Nolla começou como uma empresa de 15 mil euros, o que na Finlândia dá para comprares um forno de convenção, só [risos]. Por isso mesmo, quando começámos fazíamos jantares em casas de pessoas, escritórios, outros restaurantes quando estavam fechados… Felizmente correu sempre muito bem e acabámos por decidir fazer um crowdfunding para ajudar a financiar um espaço físico fixo, para nós. Por isto mesmo costumamos dizer que o Nolla tem 87 donos, embora nós os três continuemos com a maioria da sociedade. Graças a esse crowdfunding angariámos quase 100 mil euros e isso foi muito bom porque mostrou que as pessoas acreditavam em nós. Daí passámos para uma localização temporária, ficámos lá oito meses, e agora estamos num espaço físico, com contrato para pelo menos 15 anos. Para mim era inacreditável estarmos num sítio como este.

Então os principais sócios são o Carlos e outras duas pessoas…

Eu, o Albert Sunyer, que é espanhol, e o Luka Balac, que é sérvio. Nós conhecemo-nos todos no Chez Dominique, somos todos cozinheiros. Fizemos o mesmo percurso, aqui na Finlândia.


Imaginemos que tenho um espaço onde quero montar o meu restaurante e sei que quero que ele seja de desperdício zero. O que faço de diferente em relação a outros restaurantes mais “convencionais” no momento de decidir como vou equipar ou organizar o projeto?

O Nolla, pelo menos, exploramos uma lógica de não normalização do desperdício — rande maioria . As nossas fardas são feitas de lençóis velhos de hospitais, os copos são transformados a partir de garrafas usadas pelo Palácio Presidencial, os pratos são feitos com as sobras de barro da escola daqui da cidade onde os alunos estudam para serem artistas. Até alguma da madeira que usámos veio de um pavilhão de uma exposição que houve por aqui (eles deixaram-na na rua e nós fomos lá buscar e fizemos alguns dos móveis do restaurante com ela). Isto são alguns exemplos de como a nossa filosofia se traduz em algo mais palpável.


Mas e na cozinha em si?

Usamos um compostor, por acaso. Ele fica no meio do restaurante e é capaz de fazer 85 quilos de compostagem por dia (nós fazemos isso por semana), por exemplo. Esvaziamo-lo todas as terças-feiras porque é o dia em que recebemos os nossos fornecedores e depois damos-lhes o tal composto, para usarem nos seus campos. Em termos de estrutura temos também um software onde medimos todo o desperdício…

E não têm caixote do lixo, não é verdade?

Exato. Acho que esta é a principal barreira que os nossos cozinheiros têm de enfrentar, quando começam a trabalhar aqui. Não existem aqueles sacos pretos onde não se vê nada do que atiramos lá para dentro. Em vez disso todos os cozinheiros têm uma caixa pequenina, transparente, que é onde cada um coloca os resíduos que vai fazendo. Ou seja, durante o teu tempo de trabalho estás sempre a controlar o lixo que estás a produzir e não perdes a conta dele ao atirá-lo para esse buraco preto.


Temos um softwear de quatro passos onde toda a gente tem de inserir o seu nome, aquilo que está a deitar fora, o porquê e em que quantidade. Isto dá-nos estatísticas em tempo real não só daquilo que estamos a por na compostagem mas também o porquê, algo que nos ajuda a pensar naquilo que no futuro podemos fazer para reaproveitar o que deitámos fora.”


Mas, por exemplo, com marisco e bivalves, mesmo aproveitando as cascas para fazer caldos, sobra sempre qualquer resíduo (pelo menos nesta categoria de alimentos). Veja-se o exemplo das ostras, até, cuja casca não pode ser utilizada para mais nada. O que fazem com esse tipo de sobras?

Com ostras não temos qualquer problema porque como elas não existem na Finlândia, nós não as usamos de todo [risos]. Mas há crustáceos, por exemplo. Numa primeira linha as cascas são utilizadas para fazer caldos, como dizias, mas é verdade que existe sempre depois um resíduo qualquer. Numa segunda linha, então, vais pegar nesses resíduos e vai tudo para o compostor. A partir do momento em que eu ponho qualquer coisa no tal recipiente transparente que todos os cozinheiros têm, tens um segundo pensamento que é: “Isto precisa mesmo de ir para o lixo ou posso fazer alguma coisa com isto?” Esta forma de pensar pode parecer um pormenor mas acho que foi dos passos mais importantes que tivemos de fazer. Apesar disto tudo, antes de pormos o que quer que seja no compostor, temos um softwear de quatro passos onde toda a gente tem de inserir o seu nome, aquilo que está a deitar fora, o porquê e em que quantidade. Isto dá-nos estatísticas em tempo real não só daquilo que estamos a pôr na compostagem mas também o porquê, algo que nos ajuda a pensar naquilo que no futuro podemos fazer para reaproveitar o que deitámos fora. Isto pode parecer complexo mas o que mais queremos é precisamente o contrário, descomplicar e lançar a pergunta do “Precisava mesmo de deitar isto fora, ou não? Este vegetal tem mesmo de ser descascado ou está bem assim?” Às vezes é mesmo preciso, mas outras nem por isso.


Engraçado, o exemplo das cascas do vegetais. Não descascam nada do que servem?

A maioria de tudo o que seja tubérculo nós não descascamos. Somos capazes de dar uma fritura antes, só para dar um crocante na casca. Mudamos um pouco as maneiras de trabalhar. Pensamos em como cozinhar uma cenoura sem lhe tirar a casca, por exemplo, mantendo-a como algo delicioso. Algo que não deixe de fazer sentido e que os clientes não estranhem.


Pelo que parece, então, a vossa filosofia nasce sempre de um primeiro momento de responsabilização, em que a pessoa fica ciente do que vai deitar fora (ou não). Acha que este é o “segredo” para mais pessoas se habituarem à ideia de desperdiçar o mínimo possível (de tudo)?

Absolutamente. A ideia principal que quero transmitir aí é mais pessoal do que comercial — nós nem temos clientes aí [risos]. Na palestra vou querer falar muito menos de restaurantes, o que eu gostava mesmo de passar são formas de como pode ser possível aplicar aquilo que falo e defendo no Nolla em sítios como cantinas, prisões, hospitais… Há muito poucas estatísticas sobre desperdício alimentar em sítios como estes. Quanta comida se deita fora nas cantinas da escola em Portugal? Tentei arranjar informação sobre isso mas não encontrei nada. Por toda a Europa acontece o mesmo, um problema que como não medimos, é invisível. Fizemos um teste aqui com uma cantina do exército. Durante um mês as pessoas usavam o sistema que usamos com os nossos cozinheiros, cada um tinha um recipiente transparente onde ia pondo o seu lixo. Só nesse mês o desperdício dessa cantina reduziu 50%… Sem formação nenhuma, atenção! A meu ver isto é algo que se deve universalizar e o que eu quero é promover isso. Que haja pessoas sensibilizadas para isto em casa, nas escolas, seja onde for.

Neste momento fala-se do zero waste como nunca se falou, é uma moda, quase. Acha que por causa disso mesmo possa haver quem comece a tentar desvirtuar a filosofia real e pura deste movimento?

Sim, sem dúvida. Acho que as pessoas estão a ver isto como uma moda e não como uma necessidade em termos de gestão. Aliás, a ideia de desperdício zero é algo muito ligado ao mundo da gestão — acho que até foi uma grande companhia automóvel a falar disto pela primeira vez — e faz sentido. Num negócio qualquer fazes tudo para perder o mínimo dinheiro possível, desperdiçares o mínimo. Porque não fazer o mesmo com os alimentos? Então se a parte financeira e ambiental andam de mão dada, não vejo o porque de não se fazer mais disto no futuro. Quero conseguir explicar as potencialidades que podem sair desta forma de pensar, abrir um bocado os olhos das pessoas. Não é só uma questão de marketing, é uma forma de gestão mais inteligente. Espero que as pessoas possam compreender isso.


Por onde pode começar um restaurante dito “convencional” se estiver interessado em fazer esta transição, ou se simplesmente quiser evitar um pouco mais o desperdício que faz no seu restaurante?

A minha primeira sugestão seria aconselhar a que arranjassem caixotes muito mais pequenos, nem é preciso medi-los todos os dias ou arranjar softwares especiais, basta caixotes mais pequenos, transparentes e individuais. A partir do momento em que o lixo fica à vista de todos, vai fazer-te muito mais impressão e será muito mais falado do que quando está escondido num saco opaco onde não se vê nada. Depois disso acho que o próximo passo seria evitar ao máximo — se não mesmo excluir completamente — o plástico de uso único. Será que é mesmo preciso usar película aderente a torto e a direito? E contra mim falo porque eu sei lá quantos quilómetros de película e sacos de vácuo usei. Eu sou da geração que aprendeu a usar sacos de vácuo, tive de reaprender a não os usar.


Que técnicas usa como alternativa?

Já se cozinhava muito antes de haver sacos para cozinhar a vácuo. É uma técnica interessante mas há muitas outras. No Nolla não usamos sacos de vácuo de todo. Não sei se esse será o futuro mas o que quero é que pelo menos se pense mais nisso, na quantidade enorme que se usa. Mas lá está, eu também já gastei imenso disso. Sempre que chegava o peixe, às vezes só por uma questão de uniformização, era tudo filetado e guardado em sacos de vácuo, mesmo que vinte minutos depois já se estivesse a tirar o peixe lá de dentro. Voltando à tua pergunta, a resposta é que não usamos sous vide, de todo. Não sei se é possível pôr toda a gente a funcionar como nós, o que gostava era que pensassem mais sobre o assunto, quanto mais não seja porque fazer assim custa-lhes mais dinheiro e tempo. Nós não tentamos cozinhar o peixe, por exemplo, para ficar igual a como se fosse feito em sous vide. Preferimos, por exemplo, grelhar um peixe inteiro, com carne junto ao osso, e depois servimos daí para o prato. Não vai o quadradinho perfeito mas em termos de sabor toda a gente sabe que qualquer coisa cozinhada junto ao osso sabe muito melhor. É para essa direção que queremos ir, privilegiar o sabor em vez de ter tudo quadrado e certinho.


O que nós fazemos no restaurante — e é isto que eu quero passar como mensagem (embora o meu português esteja muito enferrujado) — pode ser utilizado em casa, em cantinas, por todo o lado. Não é uma coisa só de restaurantes ou do fine dining.”


Vocês não usam especiarias, pois não?

É verdade, sim. Como só usamos o que há à nossa volta, na Finlândia, não usamos especiarias. Nem pimenta usamos, algo que quase nos obrigou a aprender a cozinhar do zero outra vez [risos].


Mas sal têm?

Sim! Isso sim! [risos].


As únicas cedências que fazem é em relação ao vinho e ao azeite, que importam… Exatamente. Nós fazemos a nossa própria cerveja aqui no restaurante, até a podemos fazer só com produtos locais, mas não temos pairings de vinho porque só temos algumas referências. Preferimos um “pairing de bebidas” que tem duas cervejas, um cocktail e dois vinhos. Deste conjunto, só o vinho não é local. A longo prazo gostava de servir ainda menos vinho do que aquele que sirvo agora. Eu adoro, mas já há muitos outros restaurantes a servir vinho, não temos todos de fazer o mesmo. Há muito caminho a fazer na cerveja, por exemplo. O nosso próximo ano vai ser muito focado nisso.


Se usam menos coisas e se importam menos também, presume-se que os vossos preços sejam mais baratos. Isto comprova-se ou não é bem assim?

Os nossos preços são similares aos de qualquer restaurante do mesmo tipo. Temos vantagens e desvantagens de trabalhar assim. Uma das desvantagens maiores é o facto de sermos pioneiros e haver muito poucos restaurantes do nosso género pelo mundo fora. Contam-se quase pelos dedos das mãos. Há muita cooperação entre nós mas continua a haver muito trabalho a ser desenvolvido. Quem quiser só copiar — e todos nós gostávamos que mais restaurantes nos copiassem — em vez de estar a descobrir coisas, acho que o deve fazer.


Como é que alguém em casa pode adotar este estilo de vida no seu dia a dia?

Em casa tento praticar isto tudo mas talvez não de uma forma tão hardcore em termos de embalagens. Há coisas que são importantes e da mesma forma que funcionam na cozinha funcionam em todo o lado Por exemplo, pôr os produtos menos usados e com menor prazo de validade na parte da frente do frigorífico. Fazemos isto no restaurante e acho que em casa também é fácil de fazer. Outra coisa que também se pode fazer em casa é durante uma semana escrever tudo aquilo que se deita fora. Depois, no final desses dias, leiam a lista e isso ajudará a perceber a melhor forma de fazer a a lista de compras para a semana que se segue. O que nós fazemos no restaurante — e é isto que eu quero passar como mensagem (embora o meu português esteja muito enferrujado) — pode ser utilizado em casa, em cantinas, por todo o lado. Não é uma coisa só de restaurantes ou do fine dining.


Fonte: Observador

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