O Natal está à porta e, mais do que nunca, é preciso preservar o Planeta. Nesta altura, pode parecer que a sustentabilidade tem mesmo de ser colocada numa gaveta, mas Ana Milhazes, fundadora do Lixo Zero Portugal, em conversa com a Green Savers, diz que é preciso fazer precisamente o contrário e deixa dicas para que a sustentabilidade possa ser o “prato principal” da época.
Eu sei que quem tem miúdos gosta de fazer todos os anos algo diferente, é algo que nós também podemos fazer com materiais que tenhamos em casa, desde aproveitar o cartão, o papel de embrulho, as crianças fazerem desenhos, mesmo com elementos naturais. A questão das pinhas que é giro apanhar com as crianças ou usar as folhas que estão caídas no chão.
Aproveite o que tem em casa para a decoração
“Se pudermos usar aquilo que já temos em casa, tanto melhor. As pessoas dizem muitas vezes ‘ah, mas eu tenho uma árvore que é de plástico, até preferia que fosse uma coisa mais sustentável’. Sim, é de plástico, é verdade, mas se é algo que eu tenho já há imenso tempo e ainda está boa, obviamente que devo continuar a usar. E em relação a outro tipo de decoração ou pormenores. Eu sei que quem tem miúdos gosta de fazer todos os anos algo diferente, é algo que nós também podemos fazer com materiais que tenhamos em casa, desde aproveitar o cartão, o papel de embrulho, as crianças fazerem desenhos, mesmo com elementos naturais. A questão das pinhas que é giro apanhar com as crianças ou usar as folhas que estão caídas no chão. Ainda outro dia estive a fazer uma palestra precisamente sobre este tema e o palco estava mesmo muito bem decorado e a senhora que estava lá, que tem uma loja e tem plantas e faz imensos arranjos, apanha as folhas do chão, folhas essas que já estão caídas e faz os arranjos. Quando retira, volta a aproveitar para outros arranjos. Por isso, só de olhar tirei ali uma série de ideias também para mim”.
Oferecemos a nossa presença, não só no dia de Natal, mas podemos estar juntos noutros dias, antes ou depois, e combinamos que não vamos oferecer presentes nenhuns. No fundo, é um bocadinho aquela ideia de assumirmos aqui uma posição de anti consumo, numa altura de muito consumismo.
Ofereça uma prenda útil, um cabaz com vários produtos ou não ofereça, de todo
Relativamente aos presentes, Ana Milhazes diz que vai “sempre da alternativa mais radical à menos radical. A mais radical é obviamente combinarmos e dizermos que, este ano, ninguém oferece presentes. Oferecemos a nossa presença, não só no dia de Natal, mas podemos estar juntos noutros dias, antes ou depois, e combinamos que não vamos oferecer presentes nenhuns. No fundo, é um bocadinho aquela ideia de assumirmos aqui uma posição de anti consumo, numa altura de muito consumismo. Se quisermos realmente oferecer alguma coisa, há muitas, muitas coisas que podemos oferecer, desde as chamadas prendas úteis que são coisas que sabemos que a outra pessoa necessita (vamos estando mais atentos ou perguntamos diretamente), aproveitar também para oferecer se calhar presentes/alternativas mais sustentáveis, como um cabaz com vários produtos, por exemplo, de uma loja a granel ou de uma loja que tenha também produtos sustentáveis, desde os kits para limpar a cozinha até higiene pessoal
E o greenwashing. Como distinguir?
“O ideal”, explica Ana, é, “se tiverem alguém de confiança a aconselhar que já acompanha a área, tanto melhor. Nós sabemos que lojas como ‘Mind The Trash’ começaram por amor à causa e consegue-se perceber perfeitamente pelo tipo de produtos que eles têm, na forma como eles embalam as encomendas e tudo mais. Portanto, eu diria que não é difícil. Podemos optar por uma marca um bocadinho mais pequenina, comércio local. Podemos comprar um produto sustentável, por exemplo, na mercearia ao pé de casa. Desta forma é sempre mais sustentável porque nós sabemos que estamos a apoiar aquela família em específico, não estamos a dar o nosso dinheiro a uma grande corporação, a uma grande cadeia. Portanto, esta será sempre uma forma mais fácil. Anda assim, mesmo nas grandes cadeias – porque vamos imaginar que aquela pessoa costuma ir àquele local, que é o centro comercial que fica perto do trabalho – há alternativas para toda a gente. Eu mesmo dentro de uma grande marca, se optar pelos produtos da linha chamada verde ou da linha mais sustentável, já é melhor do que optar pelos outros produtos. Há sempre o ideal e o que conseguimos fazer. E eu posso se calhar não conseguir ir comprar nas mercearias locais ou no comércio local porque pode ser um bocadinho mais caro. Se calhar até nem tem nada que eu gosto verdadeiramente. Então mesmo dentro das grandes marcas, posso escolher as alternativas mais sustentáveis. Portanto, há uma série de ideias que podemos seguir a par também das experiências. Se não quiser estar a oferecer nada físico, que no fundo é algo que para mim faz-me sempre confusão porque acho que já temos tanta tralha em casa (a não ser que seja algo que precisemos mesmo), há experiências que podemos dar.
‘Mind The Trash’, loja de produtos naturais
[As crianças] recebem tanta coisa, que nem ligam. Se calhar se oferecermos a uma criança um bilhete para um espetáculo de uns desenhos animados que ela goste (há imensos espetáculos nesta altura do Natal), pode ser algo positivo e que ela vai valorizar e que, no fundo, é uma experiência para também aprender a valorizar.
Mas é difícil não oferecer presentes às crianças…
“Sim. E as crianças recebem imensa coisa. E recebem tanta coisa, que nem ligam. Se calhar se oferecermos a uma criança um bilhete para um espetáculo de uns desenhos animados que ela goste (há imensos espetáculos nesta altura do Natal), pode ser algo positivo e que ela vai valorizar e que, no fundo, é uma experiência para também aprender a valorizar. Acho que quem tem crianças, sobretudo, tem aqui um papel – um bocadinho como no aniversário, mas no Natal ainda mais porque, se calhar, recebe muito mais prendas – que é ter esta parte educativa. Eu posso aproveitar e partilhar com os meus sobrinhos, com os meus filhos que é importante que, se eu já tenho muitos brinquedos, vamos imaginar que estamos no quarto da criança, que tenho a zona de baixo do armário para os brinquedos, é só aquela zona, se vou receber mais brinquedos no Natal não vão caber lá. Então, devemos ensinar a criança desde cedo “ok, vais receber mais brinquedos certamente neste Natal, vamos se calhar tirar aqui alguns brinquedos e oferecer a meninos que não tenham essa oportunidade. Portanto, é logo uma forma educar a questão da partilha. Depois, também se pode falar com familiares e amigos para não oferecerem tantos presentes. Combinarem quantos presentes é que a criança pode receber, porque, depois o que acaba por acontecer é que o presente dos avós, dos tios, é tanta coisa que a criança não vai valorizar! O que é que acontece: pega num brinquedo, desembrulha, é aquela coisa do rasgar e seguir para o próximo. Portanto, no fundo, é também falar com as pessoas. Eu sei que os pais têm aqui um trabalho acrescido, mas falar com as pessoas e combinar, por exemplo, dar uma prenda maior, mais cara, mas damos todos juntos e a criança tem menos. No fundo, a criança habitua-se a brincar com menos e a dar muito mais valor. Acontece até com os adultos, se tivermos de escolher uma coisa entre 30, é muito mais difícil do que se tiver três”.
Se optarmos por velas já existem várias, por exemplo, à base de soja que são muito mais ecológicas e muito mais naturais e saudáveis para nós, porque as velas convencionais, se pensarmos bem, na verdade aquilo está ali a queimar e é um derivado do petróleo
Prepare a mesa da noite e dia de Natal com elementos naturais
Ana Milhazes sugere que prepare a mesa de Natal com “muitos elementos naturais, as pinhas, os pauzinhos de canela, raminhos que apanhamos no chão. Fica muito bonito e depois é algo que nós podemos ou reaproveitar para outras decorações ou colocar na compostagem”
E as luzes?
“Há várias alternativas. Há obviamente as LED, há luzinhas com pilhas e, se optarem por essas, usarem pilhas recarregáveis. A questão das velas, se optarmos por velas já existem várias, por exemplo, à base de soja que são muito mais ecológicas e muito mais naturais e saudáveis para nós, porque as velas convencionais, se pensarmos bem, na verdade aquilo está ali a queimar e é um derivado do petróleo”.
Quem tem jeito para a costura basta fazer upsetting, basta, por exemplo, acrescentar um bordado e já fica uma camisola completamente diferente para o Natal!
Estreie roupa, mas usada
“Eu sei que muita gente gosta de estrear roupa nova. Nós podemos usar roupa nova, mas ela não tem de ser propiamente nova. Ou seja, não tenho de ir a uma loja e comprar algo completamente novo. Posso, por exemplo, adquirir em segunda- mão, numa loja, no mercado de trocas – tem havido vários nesta altura do Natal onde se consegue comprar roupa muito bonita, coisas muitas vezes diferentes e originais – ou mesmo fazermos trocas entre amigos e família, que é uma das coisas que costumo fazer porque, às vezes, há peças que estão em ótimo estado que já nos cansámos, mas que, no fundo, vai ser uma coisa nova para a outra pessoa. Quem tem jeito para a costura basta fazer upsetting, basta, por exemplo, acrescentar um bordado e já fica uma camisola completamente diferente para o Natal!”
Tentar prever mesmo [em relação às refeições], obviamente deixando sempre um bocadinho a mais porque as pessoas gostam de partilhar e cada um leva um bocadinho para casa, mas tentar sempre fazer por defeito. Há a tendência de fazer por excesso. Não! Vamos pecar por defeito e fazer um bocadinho menos.
E o desperdício alimentar? Como é que o podemos reduzir nesta altura do ano?
“Eu diria que, acima de tudo, se nós pudermos fazer as nossas compras. Lá está, mais uma vez no mercado local, perto das nossas casas, essa será sempre a melhor forma, porque vamos estar a apoiar aquele pequeno negócio em vez de estar a apoiar uma grande cadeia de supermercados. Portanto, essa pode ser logo a premissa. Depois, eu sei que as pessoas gostam de mesas fartas e não é por acaso. Aliás, em Portugal, há uns anos (e a minha própria família também passou por isso) havia muita escassez e, portanto, há sempre a tendência da pessoa compensar um bocadinho mais e uma mesa cheia é que é bom, porque se tiver pouquinho vai parecer mal e depois pode faltar alguma coisa e, normalmente, as pessoas não querem que falte nesta altura. Portanto, diria que tentar pensar nesta altura na questão do desperdício alimentar é fundamental e fazer a quantidade certa. Eu sei que se sobrar um bocadinho se pode aproveitar, por exemplo, para a roupa velha. Mas se se pensar um bocadinho, por exemplo, os doces (que é uma coisa que vejo sempre a sobrar), podem combinar entre os elementos da família quem é que faz o quê e não estar a repetir doces. E isso é mesmo sensato e perceber que, mesmo assim, um por cada é muito, dependendo das pessoas que temos na nossa família. Portanto, tentar prever mesmo, obviamente deixando sempre um bocadinho a mais porque as pessoas gostam de partilhar e cada um leva um bocadinho para casa, mas tentar sempre fazer por defeito. Há a tendência de fazer por excesso. Não! Vamos pecar por defeito e fazer um bocadinho menos. É importante, a pessoa anfitriã combinar com as outras pessoas quem é que traz o quê precisamente tendo em conta a questão das quantidades. E, no final, se as pessoas puderem, levem os seus taparueres para trazerem de volta para não se cair na tendência de embrulhar no papel de alumínio. Congelar é outra opção e se não conseguirmos aproveitar mesmo de maneira nenhuma, o ideal é que coloquemos na nossa composteira, fazer compostagem ou entregar o resíduo a quem faça compostagem. Primeiro perguntamos a vizinhos ou a quem está à nossa volta se fazem compostagem ou usar a aplicação chairways, através da qual conseguimos ver quem é que temos à volta que faz compostagem e que aceita os resíduos. É uma forma de aproveitar ao máximo tudo aquilo que sobrou”!
Taparuere para as sobras
Eu lembro-me perfeitamente da minha avó reaproveitar tudo ao máximo. Mesmo os sacos de plástico quando começaram a aparecer, sempre vi sacos de plástico a secar em casa da minha avó. Venho de uma família de pescadores e a minha avó reutilizava muito os sacos, até para armazenar o peixe e oferecer a vizinhos, amigos. Ou seja, era tudo aproveitado ao máximo, a questão dos paninhos, o saco do pão para ir às compras, os guardanapos de pano. Portanto, era tudo utilizado vezes sem conta.
Os nossos avós são os embaixadores da sustentabilidade
“Na verdade, eles eram embaixadores sem saberem. Obviamente que por outras razões, pela questão da escassez. Eu lembro-me perfeitamente da minha avó reaproveitar tudo ao máximo. Mesmo os sacos de plástico quando começaram a aparecer, sempre vi sacos de plástico a secar em casa da minha avó. Venho de uma família de pescadores e a minha avó reutilizava muito os sacos, até para armazenar o peixe e oferecer a vizinhos, amigos. Ou seja, era tudo aproveitado ao máximo, a questão dos paninhos, o saco do pão para ir às compras, os guardanapos de pano. Portanto, era tudo utilizado vezes sem conta. Não havia descartável na altura e quando começou a haver era uma coisa mais cara e, por isso, havia esse cuidado de reutilizar ao máximo. Neste sentido, os nossos avós sem saberem acabam por nos passar muitas dessas ideias e não é por acaso que quando adotei este estilo de vida – desperdício zero – uma das primeiras coisas que fiz foi ir a casa da minha avó precisamente ver o que é que ela tinha de antigamente. Os saquinhos dos guardanapos, dão, por exemplo, para pôr os talheres, para pôr o lanche, os próprios guardanapos de pano e os saquinhos do pão. Fui buscar isso tudo, porque sabia que ela tinha. No fundo, gosto sempre de falar desta questão dos avós, porque acho que temos muito a aprender com eles devemos explicar [à nossa avó] que o que ela fazia naquela altura é muito bom e que estamos a fazer outra vez por isso, porque muitas vezes o que acham – e há muito esta ideia até nas pessoas mais jovens – é que reutilizar as coisas é um mau sinal, sinal de pobreza, que não posso pagar e é precisamente o contrário, é um sinal é de riqueza, de riqueza do nosso Planeta e de estarmos a defender o nosso Planeta. Em suma, é muito importante irmos buscar os nossos avós nesta altura, até aproveitar o Natal para pedir aos avós para partilharem estas histórias porque há coisas que os miúdos mais novos não sabem e ficam a conhecer e também é bom para que os avós se sintam úteis. A ideia é também um bocadinho recuperar valores”.
Sobre Ana Milhazes:
Ana Milhazes, 37 anos, socióloga, life coach, activista, instrutora de Yoga, autora do blogue “Ana, Go Slowly” e do livro “Vida Lixo Zero” e fundadora do movimento Lixo Zero Portugal. Acredita que a sua missão é tornar o mundo um lugar melhor e semear pequenas (grandes) mudanças para uma vida mais simples, sustentável e feliz. Já realizou mais de 250 palestras e workshops em escolas, empresas e em vários eventos.
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O “Ana, Go Slowly” é o meu mantra, o meu projecto de vida e aquele que me relembra todos os dias que é possível viver mais devagar e saborear cada momento com a intensidade devida, pois só assim faz sentido.
Minimalismo, desperdício zero, slow living, organização, hábitos saudáveis, yoga e meditação são os temas principais, com o propósito de inspirar a mudança em direcção a uma vida mais simples, sustentável, feliz e consciente.
|Fonte: Green Savers, 8 de Dezembro 2022
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