Falar de aplicações que evitam o desperdício alimentar é falar de poupança, mas também de ambiente. Com a digitalização crescente dos portugueses, a DISTRIBUIÇÃO HOJE foi falar com dois dos principais players no mercado português para questionar as empresas sobre como tem sido o seu trabalho desde a sua entrada em Portugal. Se se “salvam” refeições e euros, o balanço feito por Phenix e Too Good to Go é também… ambiental.
Sempre que abordamos o tema do desperdício alimentar temos obrigatoriamente de falar de redundância. Porém, para se tornar palpável, os números, no caso específico, tornam a dimensão da nossa ação (ou não ação) mais concreta. Segundo os dados publicados, vivemos perante um cenário de quase indiferença dos consumidores e marcas perante o tema. É que, de acordo com informação veiculada pela FAO (Organização das Nações Unidas Para a Alimentação e a Agricultura), cerca de um terço de toda a produção mundial de alimentos tem, todos os anos, um destino único: o lixo.
Com a população mundial a crescer a ritmo acelerado, com muitos países ainda em dificuldades para oferecer às suas populações alimentos em quantidade suficiente, a realidade é que, ao deitar fora alimentos, estamos não só a falar do combate à fome, mas também a falar de ambiente. Fruto do desperdício de todos, estima-se que a produção alimentar não consumida seja responsável por 10% da produção de gases com efeito de estufa, o que a torna numa indústria altamente poluente e absorvente de recursos que se tornam, a cada dia, mais escassos (ver dados complementares da WWF).
Assim, tendo por base estes dados, a DISTRIBUIÇÃO HOJE foi ouvir como dois dos principais players digitais de combate ao desperdício alimentar estão a agir e de que forma estão a transformar um ecossistema que ainda precisa de dinamização, mas que, de forma crescente, está a tornar-se consciente de que é possível combater o problema e, ao mesmo tempo, poupar a carteira.
Deste modo, a Phenix, ativa em Portugal desde 2016, mostra-se confiante numa lógica de crescimento. Com uma base ativa nos grandes centros urbanos, mas com protocolos também noutras localidades, esta empresa estima já ter poupado “o desperdício de mais de 11,5 milhões de refeições e de mais de 846 toneladas de produtos não alimentares, o que, ao todo, corresponde a 15 mil toneladas de CO2 que não foram emitidas para a atmosfera”.
No mesmo sentido trabalha a Too Good to Go, empresa que está em Portugal desde o terceiro trimestre de 2019 e que nos explica, através da responsável pela comunicação da aplicação em Portugal, que o serviço “já está disponível em mais de 600 localidades em Portugal Continental e Ilhas”, contando “com uma comunidade de cerca de 3000 parceiros e mais de 800 000 utilizadores”, o que, “tudo somado”, “permitiu salvar mais de 850 000 refeições, o que corresponderia à emissão de 2 milhões de quilos de CO2 na atmosfera, caso essas refeições fossem desperdiçadas”.
Com objetivo de continuarem a expandir as suas redes de influência, tanto Phenix como Too Good to Go estão abertas a novas parcerias. A ideia é sempre a mesma, permitir poupança ao consumidor, evitar o desperdício por parte dos retalhistas e dar um passo para contribuir para a redução da pegada carbónica dos portugueses.
“Um dos principais pontos estratégicos da Too Good To Go, seja a nível nacional ou internacional, é a expansão. A nível internacional, acabámos de entrar no mercado Canadiano e em Portugal a nossa intenção é também chegar ao maior número de localidades. Estar disponível e acessível, enquanto solução ativa de combate ao desperdício alimentar, a cada vez mais parceiros. A diversidade de parceiros que temos vindo a verificar na aplicação também se torna um excelente indicador da relevância da nossa solução para variados negócios, desde a pequena restauração ao grande retalho, passando pela distribuição e produção, são já mais de 3000 parceiros que diariamente utilizam a nossa aplicação, enquanto ferramenta de otimização de negócio na redução do desperdício alimentar”, esclarece Carina Dias em declarações à DISTRIBUIÇÃO HOJE, numa perspetiva também partilhada pela Phenix.
“Sentimos que foi e está a ser sobretudo um processo de mudança de mentalidades gradual, em que inicialmente o fator preço era o mais determinante para cativar o consumidor, tendo este vindo a perder espaço para a questão da sustentabilidade”
Frederico Venâncio, Phenix Portugal
“Alargar a nossa operação, expandindo a aplicação antidesperdício para mais cidades do país e reforçando a nossa rede de parceiros nos locais em que já atuamos é, sem dúvida, uma das nossas grandes prioridades. Até ao final do ano, contamos chegar a pelo menos mais duas novas localizações com a nossa app, depois de termos entrado nos últimos dois meses nos mercados de Braga e Aveiro. Temos sentido uma muito boa adesão por parte dos consumidores e dos parceiros locais, que começam a ficar cada vez mais sensibilizados para a problemática do desperdício alimentar e a querer juntar-se ativamente a esta luta”, diz-nos Frederico Venâncio, diretor-geral da Phenix Portugal, explicando depois que a marca se teve de “adaptar” para fazer face à crescente procura.
“A Phenix nasceu em França em 2014 e chegou a Portugal no final de 2016 apenas com o programa de conversão de excedentes de grandes superfícies comerciais (como grossistas, retalhistas e produtores) em doações a IPSS. Só em 2019 é que a aplicação antidesperdício foi criada e chegou a Portugal em outubro desse mesmo ano, como uma solução complementar, acessível não só a consumidores, mas também a uma grande variedade de estabelecimentos comerciais, de diversas dimensões, tais como restaurantes, pastelarias, mercearias, floristas, entre outros”, explica, numa visão segundada pela Too Good to Go.
Investir no ambiente poupando… a carteira
Com os portugueses entre os consumidores europeus mais sensíveis a questões relacionadas com o preço dos produtos que adquirem, quisemos também perceber se esta seria, na ótica de quem tenta fazer a ponte entre comércio e cliente, uma dinâmica que percebem estar a ser valorizada pelos utilizadores.
Contudo, em ambos os casos, a perspetiva é muito alinhada: poupar é sempre um fator positivo, mas o essencial é conseguir economizar salvando o planeta. “Não consideramos que o preço seja o maior motivador da compra na nossa aplicação, sentimos sim que há um racional emocional por detrás de cada compra, uma sensação de dever cumprido e de consumo consciente e mais inteligente, onde o preço obviamente também tem o seu peso”, explica-nos a Too Good to Go.
“Sentimos que foi e está a ser sobretudo um processo de mudança de mentalidades gradual, em que inicialmente o fator preço era o mais determinante para cativar o consumidor, tendo este vindo a perder espaço para a questão da sustentabilidade. Temos agora, portanto, um consumidor mais consciente e que tem gosto em ter hábitos de consumo mais sustentáveis”, assume o responsável da Phenix em Portugal, lembrando, contudo, que a empresa desenvolve esforços para estimular os seus utilizadores para as questões do desperdício para lá da economia.
“Temos tentado motivar o consumidor não só através do preço, mas principalmente através da questão da sensibilização para o problema do desperdício e, neste momento, achamos que temos, mais do que nunca, consumidores a utilizarem a aplicação pelos motivos certos: contribuir para a mitigação de um grave problema ecológico e social que tem uma resolução ao alcance de todos”, explica Venâncio.
Porém, com um sortido de oferta que muitas vezes se adapta a cabazes em que os consumidores/utilizadores não têm completo controlo, tanto Too Good to Go como Phenix lembram que há formas de evitar o “desperdício do desperdício”. Quer seja por doações ou por partilha dos alimentos adquiridos, praticamente todas as entregas são aproveitadas até ao último produto.
“Segundo os últimos estudos feitos à nossa comunidade de utilizadores, a nível global, sabemos que 90% da comida salva em Magic Boxes é aproveitada. Sendo que 28% é consumida no dia após a compra, 35% é congelada e 20% é partilhada. Estes são números incríveis e dos quais nos orgulhamos, pois não são apenas um sinal da eficácia da nossa comunicação, mas principalmente da motivação e dedicação do nosso consumidor à missão e ao propósito da nossa aplicação”, explica-nos Carina Dias.
“Desde o primeiro dia que nos focamos em perceber a melhor forma de combater este estigma e o consequente desperdício. Tentamos perceber qual é o tamanho adequado para cada cabaz de produtos que vendemos na aplicação, fazemos estudos regulares dentro da nossa comunidade de utilizadores para perceber que quantidades fazem sentido, esforçamo-nos por apresentar uma descrição detalhada dos produtos que cada cabaz contém e, ainda, utilizamos os inputs recolhidos desses estudos para sensibilizar, junto dos nossos parceiros comerciantes, para as quantidades que melhor se adequam a cada cabaz”, esclarece o responsável da Phenix, lembrando que é importante “que cada utilizador da aplicação tenha informação, aquando do momento da compra, da dimensão e tipo de produtos que poderá encontrar, contribuindo assim para uma compra informada, esclarecida e consciente”.
“Notamos, com isto, que há uma preocupação crescente, por parte das empresas, com a sustentabilidade ambiental e uma maior noção de que esta se pode traduzir também em benefícios sociais e financeiros”
Frederico Venâncio, Phenix Portuga
Continuar a crescer, alargar parcerias e promover conhecimento
Se a Too Good to Go se foca sobretudo na dinamização das “sobras” dos pequenos comércios, trabalhando também com os grandes retalhistas, a Phenix, como já vimos, entrou em Portugal por uma rota paralela. Porém, com o sucesso alcançado nos últimos meses, ambas as empresas têm em marcha uma lógica de expansão, mas também de aprofundamento do conhecimento.
“Na vertente B2B da nossa operação, o balanço é extremamente positivo. As doações de produtos excedentes já beneficiam mais de 700 instituições particulares de solidariedade social. Notamos, com isto, que há uma preocupação crescente, por parte das empresas, com a sustentabilidade ambiental e uma maior noção de que esta se pode traduzir também em benefícios sociais e financeiros. Nesse sentido, estamos também a desenvolver uma ferramenta direcionada para a gestão de stocks e de quebras, que será mais um forte complemento à nossa atuação junto do tecido empresarial”, explica Frederico Venâncio.
“Ao associarem-se à missão da Too Good To Go, os nossos parceiros encontram uma oportunidade de reduzir a pegada ecológica da sua operação, escoando excedente alimentar e dando uma segunda oportunidade aos alimentos e produtos alimentares que não foram vendidos durante o expediente normal e que seriam desperdiçados em perfeitas condições de consumo. Processo que permite uma otimização de custos de operação de qualquer negócio, sejam eles pequenos restaurantes, grossistas, retalhistas, distribuidores ou produtores, todos podem encontrar na Too Good To Go uma solução real e com impacto positivo”, diz-nos Carina Dias, acrescentando: “Somos efetivamente uma solução Win-Win-Win, uma que beneficia tanto empresas, consumidores, como, principalmente, o planeta. Algo que assumimos como sendo a nossa essência de negócio. Os mais de 3000 parceiros, 850 000 utilizadores e mais de 850 000 refeições salvas na aplicação são a prova viva do impacto real e efetivo que juntos conseguimos alcançar”.
“Segundo os últimos estudos feitos à nossa comunidade de utilizadores, a nível global, sabemos que 90% da comida salva em Magic Boxes é aproveitada. Sendo que 28% é consumida no dia após a compra, 35% é congelada e 20% é partilhada”
Carina Dias, Too Good to Go Portugal
Com todos os consumidores mais sensíveis aos temas ligados ao ambiente, mas também a causas sociais, a dinamização dos dois polos de intervenção é vista como essencial, quer pela Too Good to Go, quer pela Phenix.
“Ainda existe um longo caminho a percorrer no que toca a questões de sustentabilidade. Portugal é um país que está claramente em transição no que se refere à adoção de boas práticas ambientais e alimentares. Verificamos que o tema do desperdício tem uma melhor aceitação e compreensão pelas camadas jovens, o que quer dizer que também há um maior envolvimento e atuação neste problema, por parte destas gerações. Assim, é preciso assegurar que toda a comunidade se envolve no combate ao desperdício, começando, desde logo, pela educação para esta problemática nas escolas, e empregando esforços de sensibilização transversais a todos os públicos”, começa por explicar-nos a Phenix, defendendo… intervenção das instituições políticas.
“Estamos convictos de que um dos fatores que vai gerar a maior influência no alinhamento e comprometimento de todos é a questão da legislação. Com diretrizes e regulamentações claras e atrativas para os negócios, que beneficiem quem adota boas práticas e penalizem quem não o faz, estaremos mais próximos de uma mudança efetiva de paradigma. Nesse caso, havendo uma consciencialização de todos os intervenientes no processo de consumo, é natural que os próprios consumidores se vejam impelidos a adotar novos hábitos e comportamentos mais sustentáveis. É, realmente, fundamental que todos estejamos empenhados e comprometidos no combate ao desperdício”, defende.
“Desde a entrada da Too Good To Go em Portugal até à data de hoje, curiosamente, sentimos que os consumidores estão muito mais interessados em questionar e em procurar novas formas de consumo mais circular, e acabam por optar por soluções mais sustentáveis. Mas ainda há um grande caminho a percorrer, e o crescente interesse deve apresentar-se também como uma oportunidade para que todos – individual e coletivamente – tentemos ser cada vez mais coerentes e eficazes face às novas necessidades, tanto nas nossas vidas como nos nossos negócios”, garante Carina Dias.
“Sentimos que os consumidores estão muito mais interessados em questionar e em procurar novas formas de consumo mais circular, e acabam por optar por soluções mais sustentáveis. Mas ainda há um grande caminho a percorrer”
Carina Dias, Too Good to Go Portugal
Aproveitar a pandemia para crescer e… esclarecer os consumidores
Com grande parte dos negócios fechados durante várias semanas durante os últimos 18 meses, muito do trabalho que normalmente faria parte do dia a dia destas duas organizações alterou-se. Se, por um lado, houve possibilidade de crescer para uns, para outros, como veremos, houve uma possibilidade de ajudar os consumidores a ficarem mais esclarecidos.
“Foi um ano recheado de desafios e de conquistas, apesar do contexto de pandemia que todos vivemos. Conseguimos abrir recentemente dois novos mercados (Braga e Aveiro) e expandir a nossa presença nos mercados onde já nos encontrávamos (Lisboa e Porto), totalizando já mais de 900 estabelecimentos parceiros, a nível nacional. Aumentámos o número de utilizadores e atingimos o importante marco de 11,5 milhões de refeições salvas em Portugal desde 2016, sendo que mais de metade desse valor foi salvo precisamente no último ano e meio”, começou por explicar a Phenix. “Os consumidores mostraram-se, sem dúvida, mais disponíveis para testar e começar a utilizar os nossos serviços numa base regular e, todas as semanas, temos milhares de utilizadores que se juntam a nós, fazendo o download e registando-se na aplicação. Consideramos que isto é um claro sinal de que se está a operar uma mudança significativa em Portugal no modo como a sustentabilidade é encarada, o que nos deixa bastante otimistas para o futuro”, acrescenta Frederico Venâncio, numa perspetiva partilhada pela Too Good to Go.
“Creio que poucos são os negócios que podem afirmar que não tiveram desafios neste último período de pandemia. Mas na Too Good To Go também acreditamos que com qualquer desafio devem vir aprendizagens. Este período começa também a revelar um consumidor cada vez mais atento e consciente da importância da origem e da história do produto que está a adquirir, como do impacto do seu próprio papel. Esta parece-nos uma mudança muito positiva que também se alastra a outras avaliações e escolhas que o consumidor projeta nas marcas e nas empresas com que se relaciona”, diz-nos Carina Dias, acrescentando ainda: “Sendo a Too Good To Go uma empresa B Corp e com um ADN que se baliza precisamente por um propósito e uma missão clara e transparente, isso deu-nos uma vantagem competitiva, que começa também a ser reconhecida e encarada como uma nova forma de existir e atuar no mercado por outras empresas de diversos setores. O que, numa altura em que vemos vários sinais preocupantes no que diz respeito às alterações climáticas e a ineficácia das ações que temos vindo a tomar contra este problema global, é também um passo em frente, muito importante e positivo”.
|Fonte: Distribuição Hoje, 13 de Setembro 2021
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